Dos motivos

20 dez

Em época onde quase todo mundo pode andar de avião, atravessar quatro estados, cortar três países e percorrer quase 6 mil quilômetros de carro requerem alguns motivos.

O primeiro deles é sempre a viagem em si. Ela se basta e vale o cansaço físico, a paciência, o risco. O caminho ainda é desconhecido, mas sei que belas paisagens, cidades e pessoas nos esperam. Tudo ficará capturado e bem guardado dentro de nós.

O segundo é ter um carro novo. Comprei um carro no ano passado justamente pra isso. Mal uso o Celta dentro da cidade e, depois de um ano de uso, ele está com menos de 8 mil km rodados. Se eu tivesse um carro velho, talvez optasse pelo avião, ou mesmo por alugar um (dizem que é uma grande vantagem, mas não fiz essas contas).

O terceiro, acho que foi a falta de planejamento antecipado. Quando tive a ideia de levar a minha família pra Buenos Aires, fui olhar o preço das passagens e ida e volta sairia mais de R$ 1000 pra cada um. Se eu tivesse pensado nisso no meio do ano, talvez a passagem não tivesse saído nem pela metade do preço. Mas minha cabeça não funciona assim e não consigo planejar as coisas tão antecipadamente.

Somos em cinco, exatamente o número de cintos de segurança do carro. Gastaremos menos com combustível e hospedagem durante os dias em que dormiremos na estrada.

O quarto motivo e o mais importante é a minha mãe. Mamãe nasceu no interior de São Paulo, em uma família de espanhóis que foram fazendeiros de café, mas perderam tudo. Mamãe, claro, nasceu na época em que já tinham perdido tudo. Seus irmãos mais velhos conseguiram viajar para alguns lugares, mas não ela. Na infância e na adolescência, chegou a conhecer Curitiba e São Paulo, a capital. Mas, depois disso, viajou para pouquíssimos lugares.

Nossa família é uma família de classe média, mas mais pra menos do que pra mais na média. Se a nossa família fosse uma nota escolar em termos de grana, seria uma família C-. E sempre foi assim. Papai decidiu ser jornalista, mamãe decidiu ser dona-de-casa quando os filhos nasceram.

Passamos muitas férias na Praia Grande, em Itanhaém, em Ubatuba, em Olímpia, cidade da minha mãe. Nunca deixamos de viajar, mas nunca conhecemos grandes lugares quando criança. Nem quando adolescente.

Foi só aos 24 anos que andei pela primeira vez de avião, mas mamãe conseguiu andar de avião só aos 55. E foi para o Rio de Janeiro, visitar meu irmão que morava por lá na época.

Fico pensando que meu filho de 10 anos conhece mais lugares do que a minha mãe de quase 60. Luquinhas já foi pro Rio inúmeras vezes, pra Santa Catarina, para os Estados Unidos. A gente sempre se lembra (acho que deve ser instinto) de proporcionar tudo o que podemos para os nossos filhos, mas nunca para os nossos pais. Eles vêm sempre depois na lista de prioridades. Mas a gente se esquece que nossos filhos tem toda uma vida pela frente e nossos pais não mais.

Por isso, eu decidi, junto com o meu irmão, proporcionar isso para a mamãe. A chance de conhecer um monte de lugares de uma só vez, porque a vida é hoje e o tempo está passando. Sei que o sonho da mamãe é conhecer a Espanha, terra de sua família, do seu sangue fervilhante, do seu tempero, da sua história. Mas vamos começar do começo, com o nosso C-.

Mãe, essa é pra você.

18 Respostas to “Dos motivos”

  1. dona Rose dezembro 20, 2011 às 12:04 pm #

    Obrigada, filhota! Vc me emocionou, como sempre faz!To com os olhos marejados.Sei q vamos aproveitar, curtir bastante.Estando com vcs, estou sempre feliz, embora nem sempre demonstre,né? 😀
    Obrigada mesmo a vc e ao Ro.Amo vcs, acima de qq coisa!
    Beijos

    • Juliana dezembro 20, 2011 às 10:39 pm #

      Que lindas vocês! Boa viagem procês todos, beijo nos cinco 🙂

  2. nanamelon dezembro 20, 2011 às 12:05 pm #

    Tão legal quanto a viagem, só mesmo os textos que ela já está rendendo, antes memso de começar. Boa aventura pra vocês 🙂

  3. Helô dezembro 20, 2011 às 12:07 pm #

    Já estou ansiosa pra acompanhar esse passeio.

  4. Paula dezembro 20, 2011 às 12:11 pm #

    Leonor, leio seu blog há algum tempo e me identifico demais com você e com a história da sua família. A minha é bem parecida, exceto pelo filho, que ainda não tenho. Mas tenho a mãe (meu pai já se foi) e essa relação super próxima com minha irmã. Também sou sua vizinha, moro na Lapa.
    Andei de avião pela primeira vez aos 24 anos também. Minha mãe estreou nos aeroportos ano passado, aos 57, para visitar minha irmã que mora em Brasília. Esse teu post me deu uma vontade imensa de botar em prática um projeto antigo que é justamente levar minha mãe para Buenos Aires com a minha irmã.
    Beijos e que sua viagem seja linda como sua família.

  5. jean boechat dezembro 20, 2011 às 12:14 pm #

    motivos cheios de honra e uma viagem cheia de aventuras.

    ó… meu irmão e um outro amigo maluco espetacular foram até Ushuaia, no fim do mundo, de Uno Mille em 1995, 96. A viagem de vocês vai ser sensacional. As paisagens lá pra baixo – das que eu conheço, são lindas. Vá na Casa de Cultura Mario Quintana em Porto Alegre e tome um café lá. E se der, vá a Santa Cruz das Missões, que é um lugar que eu adoraria conhecer. Se for ficar muito tempo em Floripa, vá no Campeche e talvez você esbarre no meu tio Léo, flamenguista, e na minha Clê, corinthiana de doer. Aproveita.

  6. Ronise Vilela dezembro 20, 2011 às 12:31 pm #

    Certíssima! Quando mamãe ainda estava entre a gente, também fiz questão com meu primeiro salário de jornalista, levar mamis a Porto Seguro, avião, hotel luxo, porque elas merecem! 🙂

  7. anarina dezembro 20, 2011 às 12:33 pm #

    A dona Rose é mesmo a brasileira mais espanhola que eu já vi. Boa viagem!! Espero que as manicures argentinas não decepcionem!

  8. LaFramboesa dezembro 20, 2011 às 1:38 pm #

    A incrível habilidade da Lelê de me fazer chorar…
    Hoje eu fico pensando no quanto eu queria ter proporcionado as viagens que minha mãe sempre quis fazer…

  9. Sarah Lee dezembro 20, 2011 às 1:45 pm #

    Poxa vida, que coisa mais bacana que vcs irão proporcionar a sua mãe, sem falar que todos vão se divertir. Acho muito bom viajar, e sempre quis fazer isso q vcs irão fazer só que não necessariamente percorrer tres países mas sim o RiO GRANDE DO SUL inteiro. Tb sou do interior de SP e morei por alguns tempos no RS, amo aquele estado mas antes de morar lá passei toda a minha infancia viajando pra la, resumindo tive uma infancia muito bem vivida.

    Pelo que vi vcs vão passar por várias cidades gauchas principalmente a serra gaucha q é MARAVILHOSA, experiencia propria, com 24 anos ja fui umas 234224 vezes pra GRAMADO e aquele lugar é um pedaço da EUROPA, mas não só GRAMADO toda serra é assim com ar europeu estradas sombreadas pelas arvores de platanos e uma paisagem de dar gosto. Não deixe de visitar o LAGO NEGRO e comprar os famosos chocolates caseiros em barrinhas (SUA MÂE VAI AMAR) sem contar q vcs vão pegar a decoração natalina de Gramada que é um espetaculo. Se CAXIAS DO SUL tiver no roteiro (se não me engano vai ser bem caminho já q vc s vão pra Porto Alegre) tb vai ser uma vista linda.

    Bom, antes disso SC é lindo, as praias é dislumbrante.
    Buenos Aires nunca fui mas sei q é encantadora!
    Quero acompanhar essa viagem tb!
    UMA BOA VIAGEM!!
    BOAS FESTAS

  10. Fabiana dezembro 20, 2011 às 3:14 pm #

    Leio seus textos no outro blog, e quase sempre termino os textos emocionada.
    Boa viagem!
    bj,
    Fabi

  11. Juliana dezembro 20, 2011 às 11:56 pm #

    Em Buenos Aires, jantem no Puerto Madero!! Melhor carne que ja comi na vida!!!! 🙂

  12. Andreia Fernandes (@deiafern) dezembro 21, 2011 às 12:52 pm #

    Lelê, fiz uma viagem exatamente assim em 2006. Tenho uma preguiça danada de viajar de carro, até pro litoral norte. Inspirada pelos meus pais, que fizeram viagem semelhante antes de ter filhos, pelo ex-namorado e pela falta de grana, topei o desafio. E te garanto: não me arrependo! Será inesquecível. Boa viagem pra vcs!

  13. Thiago Durante (@ThiDurante) dezembro 21, 2011 às 12:53 pm #

    Difícil não se emocionar…=’)
    Parabéns Leonor, atitude digna e de imensa admiração!

  14. .mila. dezembro 21, 2011 às 7:42 pm #

    AMO quando vejo os comentários da dona Rose … 🙂 Dona Rose também é o nome da minha mãe e nada na vida paga essa emoção, olhos lacrimejados e sorrisos alegres que podemos proporcionar a pessoas que amamos tanto.

  15. Bel dezembro 24, 2011 às 12:18 am #

    Eu ia dizer que comprei passagens BH-Montevidéu por 99 dólares na promo da Pluna, mas seus motivos passionais jogam a promoção no lixo. Vai ser lindo viajar de carro!!!

  16. Ale Boechat dezembro 24, 2011 às 2:05 am #

    Meu irmão falou da minha megaviagem de carro até Ushuaia. É tão foda quanto um Caminho de Santiago. Minha noção de distância foi pro espaço. E não tem sensação mais incrível do que ver o mundo, a geografia, mudando de verdade enquanto passamos através. Boa viagem a todos. É incrível. Não sei que caminho vão fazer, mas iria até o Chúi, porque é o fim do Brasil. E pegaria uma balsa em Montevidéu ou Colônia do Sacramento. Porque lá dentro parece um bingo.

  17. papis janeiro 12, 2012 às 12:42 pm #

    Filha estou comentando agora que já voltamos. A viagem foi inesquecível. Mesmo quando o cansaço parecia vencer e eu perder as estribeiras ( só por momentos ) com o Luquinhas sonado eu continuava ali, no banco de trás do seu vibrando e torcendo ( além de rezar muito ) para tudo dar certo. Gostei muito de passar o natal em Montevidéu e o ano novo em Buenos Aires. Não vou esquecer o dia em que eu e o Lucas ficamos cercados de meninos argentinos ( e alguns peruanos e bolivianos ) falando espanhol em torno do Lucas chamando-o de “português” ou o Cristino Ronaldo! Também dos passeios , e principalmente, Colônia do Sacramento onde penso que vou viver meus últimos dias com sua mãe. Viva o Belchior que escolheu a melhor cidade do mundo. De resto vamos rever todas as fotos e lembrar com carinho tantos momentos bons que você e seu irmão nos proporcionaram. Valeu por tudo. Até pelas minhas dores de joelho e as quedas súbitas de açúcar no sangue que eu não medi para não ficar impressionado. Inesqueciveis os pores-do-sol nas ramblas de Montevideu também

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